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O novo romance autobiográfico do autor Édouard Louis nos mostra um “método” particular para ascender socialmente e escapar da exclusão e da pobreza

A história de autoaperfeiçoamento e ascensão econômica e social é, sem dúvida,uma das narrativas dominantes que mais afetam nosso comportamento e aspiraçõesmesmo sem saber: basta passar alguns minutos em qualquer rede social para encontrar dezenas de anúncios prometendo-nos a fórmula da beleza e do sucesso, e nos mostrando modelos aspiracionais a serem adotados no dia a dia. Cada vez que nos envolvemos em um novo projeto ou tarefa, sem perceber estamos participando da corrida dos ratos do capitalismo, tentando fazer o nosso lugar na dinâmica competitiva do nosso modelo de produção.

Embora às vezes esses esforços compensem, Seria possível insistir em ascender socialmente a ponto de nos transformarmos? Existe tal coisa como um método para conseguir isso? O livro que não nos interessa hoje, Mudança: Métodopor Edouard Louis Trata precisamente dessa noção.

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Autoficção, não autoajuda

O jovem autor francês Edouard Louis – que, com apenas 30 anos, publicou cinco romances de sucesso– não nos oferece uma pílula de autoajuda em seu último trabalho publicado pela editora Salamandra, embora seu título pareça sugerir: Mudança: método é uma história autobiográfica de ascensão social, que narra a pertinaz jornada do autor de sua casa em uma cidade rural no norte da França – marcada pela pobreza e exclusão – até o topo da pirâmide socialrepresentado pela elite intelectual e cultural de Paris.

É uma autoficção reflexiva, honesta e emocional. detalhando o meticuloso “método” seguido por Édouard para superar as barreiras econômicas, culturais e de classe, em um processo de fuga de uma infância marcada pela incompreensão, discriminação e pobreza. A protagonista, criada em um ambiente de baixo nível cultural e poucos recursos, conseguelendo centenas de livros e adotando modos e hábitos “burgueses”, subir no mundo acadêmico e social para acabar estudando na universidade de Amiens e, finalmente, na prestigiosa Ecole Normale Superieure em Paris, berço de muitos intelectuais franceses.

No entanto, e apesar do aparente sucesso do autor – que cumpre o seu objetivo de se transformar de lagarta em borboleta – Mudança: método É um romance que parece mais melancólico do que esperançoso, e até existencialista. À medida que o protagonista conquista objetivos, surgem outros novos propósitos, e com eles novas mudanças que envolvem o abandono de ambientes familiares, estilos de vida e pessoas próximas; em seu trânsito da França rural para Amiens, e depois Paris, Louis parece preso na roda de Ixion da qual Schopenhäuer falou, condenados a realizar um desejo após o outro sem alcançar a satisfação autêntica. Esse e outros sentimentos são analisados ​​de forma visceral e sincera pelo autor, que não esconde suas próprias contradições ou atitudes questionáveis.

O lado negro do autoaperfeiçoamento

O objetivo do romance é apresentar e analisar o itinerário emocional de Edouard, apresentando uma visão alternativa da clássica história do autoaperfeiçoamento, com suas luzes e suas sombras (misturados na maioria dos casos) e uma particularidade: embora a mudança e a ascensão social sejam percebidas Como a salvação de um mundo hostil, o autor parece não terminar de “salvar-se”, pois uma vez alcançada a segurança e o conforto, novas expectativas ou um novo modelo aspiracional põem fim à paz adquirida e marcam uma nova etapa na transformação de Édouard.

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Desta forma, a identidade do autor é sempre construída em torno do oposto: ou através de uma dinâmica de rejeição (O autor quer fugir da discriminação sofrida em sua cidade por ser homossexual) ou pela atração por um estilo de vida mais sofisticado (Na verdade, o livro é estruturado em torno de dois referentes que serão o farol de Edouard Luis: Elena e Didier). Sim, bem o livro trata da mudança premeditada e do esforço para alcançá-la como método de salvação, um mistério permanece válido após o fim, A necessidade de mudança surge das circunstâncias ou faz parte da condição humana, independentemente do contexto? Mistério do dynamis que tanto intrigou os filósofos por séculos não pode ser resolvido por Edouard tambémo que melhor busca a catarse emocional através da literatura em sua obra mais recente.

Seria impossível falar dessa novela sem falar de política, e sem falar de política na cultura. A principal façanha de Édouard no romance é integrar-se aos círculos culturais da elite (Edouard torna-se “burguês”), não sem sofrer os choques do diferente “ethos” de classe de que já falava Bourdieu: isso significa que Edouard não apenas enfrenta uma falta de alfabetização cultural, mas também a esquemas mentais, comportamentos e expectativas vitais que eles nem sequer podem conceber devido às suas origens humildes. Embora Édouard fale muitas vezes desses impactos e de suas dificuldades econômicas, além de apresentar certo remorso quanto à “traição de classe”, o livro não se aprofunda nas causas estruturais dessas desigualdades, embora mostre interesse em seus efeitos práticos nas relações interpessoais.

Novos privilégios, novas realidades

Em uma das passagens mais brilhantes sobre o assunto, e que reflete a distância sociocultural de Edouard de seu círculo, O autor afirma que, se em certos momentos conseguiu aproveitar e valorizar tanto sua nova vida, Isto deve-se precisamente à ausência dos privilégios que mais tarde viriam a cimentar o seu dia-a-dia.

A nível formal, Mudança: método É um livro escrito com uma prosa ágil e refinada, que sem ser artificial consegue se mover. Embora a maior parte do livro combina o monólogo interno com a narrativa autobiográfica, experimentos louis com a epístola e até com a entrevista em vários pontos do romance. A inclusão de fotografias e screenshots terminam de compor esta «colagem» que é uma sequela espiritual de Para acabar com Eddy Bellengueuleum romance anterior do mesmo autor mais focado nos aspectos difíceis de sua vida na França rural.

Mudança: Método É um romance que ganha profundidade à medida que avança. e que, graças ao seu tema particular – ascensão social como transformação pessoal – consegue distanciar-se de outras obras de autoficção de estilo semelhante.